Para Além do Dinheiro: A Expressão “Em Moeda ou Cujo Valor Nela se Possa Exprimir” no Conceito de Tributo

O arcabouço do Direito Tributário brasileiro é solidamente edificado sobre definições claras, e nenhuma é tão central quanto a do próprio conceito de tributo. Enunciada no Artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN), uma formulação atribuída a Rubens Gomes de Souza, essa definição é a bússola que orienta a compreensão do campo de atuação das normas tributárias. Entre os elementos que compõem essa definição, a natureza da prestação – “pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” – exige uma análise mais aprofundada para desvendar suas nuances e sua real abrangência, indo além da mera ideia de pagamento em dinheiro.
A Essência da Prestação Pecuniária
Primeiramente, o tributo é, por definição, uma “prestação pecuniária”. Isso significa, de forma irrefutável, que ele é exigido em dinheiro. Consequentemente, quaisquer outras formas de exigências do Poder Público aos particulares, que não envolvam valores monetários, não se enquadram no conceito de tributo. Exemplos clássicos que ilustram essa distinção são o serviço militar obrigatório, o trabalho de mesário em eleições ou a função de jurado: todas são exigências de trabalho ou serviço, e não de dinheiro, portanto, não são tributos.
Desvendando a Expressão: “Em Moeda ou Cujo Valor Nela se Possa Exprimir”
A segunda parte da expressão, “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”, merece atenção especial. À primeira vista, pode parecer uma redundância, já que “pecuniária” já indica dinheiro. Há, inclusive, quem considere essa parte contraditória ou necessária apenas em situações casuísticas, como o pagamento por cheque (uma visão que o próprio CTN desqualifica, pois a extinção da dívida se dá pelo resgate do valor em dinheiro, e não pelo cheque em si).
No entanto, a interpretação mais sólida e amplamente aceita entende que essa expressão deve ser compreendida sob a ótica do devedor.
- Pelo Lado do Credor (Poder Público): Do ponto de vista do Estado, o credor, a exigência do tributo é sempre em dinheiro (moeda). O Poder Público não pode, por exemplo, exigir sacos de feijão como imposto de renda de um ruralista.
- Pelo Lado do Devedor (Particular): O devedor, via de regra, deve entregar dinheiro (moeda) para satisfazer a obrigação. Contudo, a expressão abre uma possibilidade excepcional: a lei pode autorizar que a dívida tributária seja satisfeita com algo que não seja moeda, mas cujo valor possa ser expresso nela.
Essa flexibilidade, embora rara, é prevista no ordenamento. O próprio CTN oferece exemplos: algumas legislações de ICMS, por exemplo, permitem a liquidação desse tributo com a entrega de mercadorias. Em certos municípios, já se permitiu o pagamento do IPTU com o próprio trabalho dos devedores. Nesses casos, o valor do tributo é originalmente expresso em moeda, mas a forma de sua quitação, por expressa previsão legal, pode ser em bens ou serviços, desde que seu valor seja conversível e equivalente ao montante monetário devido.
É fundamental ressaltar que essa previsão não se confunde com a execução fiscal. Quando ocorre a cobrança judicial de um tributo não pago e bens do devedor são levados a leilão, a dívida tributária não é extinta diretamente pelos bens. Pelo contrário, ela é quitada pelo dinheiro resultante da venda desses bens em hasta pública. Portanto, mesmo nesse cenário, o pagamento final ao Estado continua sendo em moeda, e não em bens, o que reforça o caráter pecuniário do tributo.
Conclusão
A expressão “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” no Artigo 3º do CTN transcende uma mera formalidade. Ela consagra, por um lado, o caráter estritamente pecuniário da exigência tributária por parte do Estado. Por outro, demonstra uma abertura legal à diversidade nas formas de cumprimento da obrigação pelo devedor, desde que expressamente autorizadas por lei e que o valor da prestação alternativa seja claramente traduzível em termos monetários. Entender essa nuance é crucial para o tributarista, pois ela delimita as possibilidades e os limites da atuação do Poder Público e dos contribuintes no complexo universo das prestações pecuniárias compulsórias que definem o tributo.
Escrito por Bruna Sobczack. Especialista em Direito Imobiliário, Notarial, Registral e Tributário. Descubra como a estratégia jurídica certa pode ser a chave para sua próxima grande conquista: http://www.brunasobcack.com.br